Em muitos aspectos, Nova York se parece com São Paulo.
Da mesma forma que podemos afirmar que a capital paulista é a "Meca"
da gastronomia no Brasil, podemos dizer que a Big Apple o é em relação aos
Estados Unidos. São milhares de food trucks vendendo hot-dogs, pretzels,
waffles e raspadinhas; docerias produzindo os mais belos e saborosos cookies e cupcakes; lanchonetes que cultuam o fast food espalhadas por todos os cantos da
cidade (todos!); e restaurantes que se dedicam as mais diversas cozinhas
mundiais. Diante de tantas
opções, se torna uma tarefa quase impossível escolher quais estabelecimentos
conhecer.
No meu processo de seleção, decidi que queria visitar
um restaurante sofisticado, cujo padrão de excelência fosse mundialmente
reconhecido. Aí, surgiu a dúvida: "qual?".
1. A ESCOLHA DO LE BERNARDIN
Não foi uma decisão fácil, pois alguns dos melhores
restaurantes do mundo estão concentrados em Nova York, dentre eles: “Eleven
Madison Park”, “Le Bernardin”, “Per Se” e “Daniel” (só para citar os que
figuram na lista “The World’s Best 50 Restaurants” de 2014).
Alguns livros me auxiliaram nesta empreitada. Vejamos,
então, o que dizia cada um deles:
“Le Bernardin – Presença permanente na seleção dos
melhores chefs de Nova York, o franco-americano Eric Ripert comanda a cozinha
do Le Bernardin, um templo da elegância que começou a revolucionar a culinária
de frutos do mar na década de 1980. Pouco temperados, ligeiramente cozidos ou
apenas crus, seus pratos sempre diferentes surpreendem até os mais exigentes
apreciadores da boa mesa.” (“1.000 lugares para conhecer antes de morrer”,
Patricia Schultz, Rio de Janeiro: Sextante, 2006, pág.: 328.)
“Le Bernardin (...) Considerado um paraíso para
amantes de frutos do mar, o Le Bernardin é um dos poucos estabelecimentos em NY
a merecer quatro estrelas do NY Times,
além de ser considerado o melhor da cidade pelo guia Zagat.” (“O melhor guia de Nova York”, Pedro Andrade, Rio de
Janeiro: Rocco, 2013, págs.: 90/91.)
“Em 2006, na edição de estreia do Michelin de Nova
York, o Le Bernardin foi um dos únicos restaurantes a obter as três estrelas e
as mantém até hoje, como mantém há 22 anos consecutivos as quatro estrelas do NYT.” (“Guia dos guias”, Ricardo Amaral
e José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, Rio de Janeiro: Casa da Palvra, 2013,
pág.: 117.)
Numa cidade que se metamorfoseia com a mesma rapidez
que uma borboleta, com novos empreendimentos gastronômicos sendo lançados a
todo momento, resta ao tempo funcionar como fator de seleção natural dos bons
restaurantes. Deste modo, a tradição consolidada pelo Le Bernardin, aliada às
excelentes avaliações que recebe, fez com que eu optasse por ele, ainda que
eu não seja muito fã de frutos do mar (decisão audaciosa! rsrsrs).
2. A RESERVA
Com a decisão tomada, minha “preocupação” passou a ser
outra: conseguir fazer a reserva.
Entrando no site da casa, descobri que poderia fazer a
reserva pelo site “Open Table”, com 30 dias de antecedência. Resolvi que
jantaríamos lá na terça-feira, dia que julguei ser mais fácil de conseguir o
agendamento. Queria marcar às 20:00, o site indicou que o horário mais próximo
do desejado seria 20:30. Aceitei e reservei. Quando a confirmação chegou no
e-mail do meu marido, mal pude acreditar: “Eu iria jantar no Le Bernardin!”.
Eles são bem enfáticos quanto ao uso do paletó, sendo
a gravata opcional. Avisam tal necessidade no site da reserva e no e-mail de
confirmação.
Ah... detalhe muito importante! Ao contrário dos
outros restaurantes, que também agendei pelo “Open Table”, o Le Bernardin exige confirmação da reserva dois dias antes do almoço ou jantar, através de e-mail ou telefone. Esqueci
de enviar um e-mail no domingo. Na segunda, o Daniel ligou e confirmou. Mais uma
vez, a telefonista avisou: “É obrigatório o uso de paletó!”.
Eu fiquei tão ansiosa que, na véspera, sonhei que
chegava ao templo da gastronomia francesa usando calça jeans e, por isso, era
impedida de entrar... Talvez você pense: “Que exagero!”, mas, pra mim, ir a um
jantar desses é como se eu estivesse indo a um show de uma banda muito querida,
pois eu sempre espero um grande espetáculo, orquestrado por um Chef preparado e
experiente.
3. O GRANDE DIA
Chegamos com 10 minutos de antecedência e a hostess
pediu que aguardássemos um pouco no lounge. Não tivemos nem tempo de escolher
um drink ou aperitivo e já fomos encaminhados até a nossa mesa.
Confesso que a decoração me decepcionou um pouco. Não
é que fosse feia, mas eu esperava algo mais sofisticado e pomposo. Entretanto,
a “má impressão” durou pouco, pois, bastou que eu me sentasse e avistasse um deslumbrante
sousplat (ou seria um prato?) na minha frente, com uma grossa borda prateada,
cheia de baixos relevos dando a impressão de serem gotas de água, para ter a
certeza de que seria uma noite especial.
O atendimento é primoroso, com garçons ágeis e atentos
a todos os detalhes. Explicam tudo, servem as bebidas e as comidas com bastante
manejo, trocam os talhares a cada mudança de prato e, caso o cliente suje a
toalha (como aconteceu comigo, que deixei umas batatinhas com molho caírem na
mesa), colocam um guardanapo branco por cima, assim, fica tudo limpo novamente.
Muito zelo no trato com o cliente!
O “Mestre de Cerimônias” da nossa mesa nos entregou o
cardápio aberto na página que apresentava o "Le Bernardin Four Course Prix
Fixe" e nos explicou que se tratava de uma refeição composta de 4 pratos:
“First course: almost raw” (primeiro prato: quase cru); “Second Course: barely
touched” (segundo prato: “mal tocado”?); “Main Course: lightly cooked” (prato
principal: levemente cozido); e, para finalizar, sobremesa.
Ao contrário dos famosos menus degustação, no cardápio
de preço fixo ($ 135,00), havia uma infinidade de frutos do mar a serem escolhidos em cada
“course”. Detalhe: deveríamos escolher todas as iguarias de uma só vez e, logo em
seguida, começaria o desfile de comidas bem elaboradas, executadas e
apresentadas.
Só para informá-los, há no menu duas opções de
degustação com os preços ainda mais elevados: a "Chef's Tasting", que
serve 8 pratos ($ 198 por pessoa; com vinho: $ 336,00), e a "Le Bernardin
Tasting", que prepara 7 pratos ($ 155,00 por pessoa; com vinho: $ 246,00).
Nestes dois últimos casos, as comidas são pré-determinadas e todos da mesa
terão que optar por ela (se só alguns quiserem, não será possível!). No cardápio, não há pratos para serem pedidos
isoladamente. O comensal tem que escolher um dos “festivais”.
Não sei se o garçom não mencionou a existência desses
outros menus porque o Chef Eric Ripert não estava na casa e é preciso que ele esteja presente para coordenar a preparação. Enfim... O fato é que, em 4 pessoas com gostos diferentes, o "Le
Bernardin Four Course Prix Fixe" acabou se revelando uma opção mais
“sadia”, possibilitando que cada um escolhesse o que queria comer.
Eu não vou me estender muito na descrição dos pratos
com receio de cometer algum equívoco. As comidas eram tão sofisticadas, que eu
não saberia descrevê-las adequadamente.
O "mimo do Chef" era composto de três
elementos: um canapé com massa filo crocante, uma rodelinha de polvo (não gosto
de polvo, mas provei esse e adorei! Consistência e sabor perfeitos!) e uma
xicrinha de sopa de cenoura com gengibre (combinação harmônica e exótica).
Um garçom passou pela mesa carregando uma enorme cesta
com os mais variados tipos de pães. A variedade era tão grande que nem consegui
entender direito o sabor de cada um. Escolhi esses aqui:
Já falei que não sou uma grande apreciadora de frutos
do mar, não foi? Por isso, sabendo que o primeiro prato seria servido
praticamente cru (almost raw), me inspirei na culinária japonesa e pedi o
salmão. Na louça branca, vieram lascas de salmão escocês, parecendo um carpaccio,
com uma saladinha de pepino, um molho cítrico que foi acrescentado ao prato
pelo garçom e rodelinhas de banana frita. Primeiro prato: aprovado!
Na segunda etapa, escolhi o “Bacalao” (posta fina de
bacalhau grelhado, que se desmanchava na boca, coberta com salada de cebola e
pimenta e finalizada com molho vinagrete).
De prato principal, selecionei a lagosta assada em
panela com molho de vinho tinto. A parte do abdômen, que alguns chamam de
cauda, veio em pedaços, acompanhada da casca. A casca já estava solta, acho que
a utilizaram apenas para compor a decoração da iguaria. Detalhe: o garçom
trouxe um pratinho para colocar as cascas. Mas o que mais me impressionou neste
prato foi o fato deles terem tirado a casca da pinça/pata da lagosta e servido
apenas a carne em perfeito estado. Quanto capricho!
Na hora mais doce da noite, pedi o mil-folhas de
chocolate, cuja apresentação era coisa de cinema. Ao invés da tradicional massa
folhada recheada com creme de chocolate, eles serviram uma torta com creme de
chocolate ao leite e uns filetes de caramelo. Meu Deus!!! Eu passaria a noite
me deliciando com esses filetes. Sensacionais!!! Já o creme de chocolate não me
agradou muito.
Para finalizar, trouxeram, para cada comensal, um
pratinho contendo um praliné, um macaron de damasco, um pedacinho de brownie de
chocolate e um biscoitinho com uma geleia de chocolate em cima. Esse último (que na foto é o
segundo) foi o meu preferido. Que coisa mais gostosa!!!
4. A COZINHA
Eu perguntei ao maître quantas pessoas trabalham na
cozinha, ele me respondeu que 50 e indagou se eu gostaria de conhecê-la. Conhecer a cozinha do Le Bernardin? Claro que eu quero! Lá fui eu num
tour privado...
A cozinha é bem grande e dividida por setores. Vejamos
de trás para frente. No fundo, ficam os encarregados de prepararem os pratos
que são servidos no lounge. Em seguida, fica a pâtisserie, onde são elaboradas
as sobremesas e doces. No meio, são feitos os primeiros pratos da refeição completa,
aqueles “praticamente crus”. Depois, encontramos os cozinheiros que fazem as
comidas “barely touched”. E, por fim, num espaço maior, estão os responsáveis pelos
pratos principais. Antes de chegar na porta, há um espaço para os garçons se
locomoverem.
O nosso “guia turístico” nos mostrou, ainda, um quadro
onde são controladas as refeições de todas as mesas, pois nada pode sair errado
e tudo precisa acontecer no momento certo (perfect timing).
5. CONCLUSÃO
Acho que, depois do tanto que falei, seria
desnecessário dizer que eu, simplesmente, A-M-E-I a experiência. A experiência
inteira!!!
E finalizo dizendo: se você pode se dar a esse luxo, ainda que seja apenas numa viagem ou numa ocasião
especial, o faça! Reserve e vá a um restaurante Classe "A". A vida é muito curta e são momentos como esse que fazem com que ela valha a pena ;o)
Para acompanhar toda a série “Comendo em Nova York”,
segue abaixo o cronograma de posts:
2) LE BERNARDIN - Comendo em Nova York – Parte 2/4;
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