Eu tenho que
concordar com Dolores Freixa e Guta Chaves quando, no livro “Gastronomia no
Brasil e no mundo”, elas dizem que “a gastronomia é um inventário patrimonial
tão importante culturalmente quanto os museus, as festas, as danças e os
templos religiosos”, pois, ainda que eu visite todas as atrações turísticas de
um local, se eu não comer algo típico da região, não considero que a minha
viagem foi completa ou que eu conheci de verdade o lugar visitado.
A cidade de Buenos
Aires oferece vários clássicos da culinária argentina, como a provoleta (fatia
grossa de queijo provolone, temperada e assada na grelha, ficando macia e
derretida por dentro e crocante por fora), o locro (ensopado à base de abóbora,
feijão, milho e carne), a empanada (salgado no formato de um pastel de forno, que
apresenta várias opções de recheio e é assado), o doce de leite, o sorvete, o alfajor
e, claro, as parrillas.
Se tem uma
coisa, fora o futebol, que orgulha e alegra os portenhos, isso se chama carne.
Com cortes bem diferentes dos nossos, a parrilla (podemos dizer que equivale ao
nosso churrasco?) é o mais famoso e querido prato argentino.
Em Buenos
Aires, duas casas disputam a atenção dos turistas e, até mesmo, dos locais:
“Cabaña Las Lilas” e “La Cabrera”. Você percebe isso ao pesquisar, em sites ou
livros, onde comer uma boa parrilla.
O livro
“1.000 lugares para conhecer antes de morrer”, da jornalista Patricia Schultz,
indica o Cabaña Las Lilas como um dos 1.000 destinos imperdíveis. Diz a autora:
“O lugar é o endereço preferido pelas autoridades quando se trata de apresentar
algum VIP estrangeiro a essa especialidade nacional. Os novilhos argentinos são
criados numa dieta de grãos livre de hormônios, o que resulta numa carne menos
gordurosa e, portanto, com menos colesterol. Em matéria de qualidade não
encontra rivais no hemisfério sul, talvez em nenhum outro lugar do mundo.”
Já no “Guia
dos Guias – Restaurantes 2014”, Boninho e Ricardo Amaral optam pelo “La
Cabrera”, indagando ao leitor: “Você vai à Argentina para que mesmo? Comer a
melhor parrilla de sua vida, talvez?
Bem, então vai ser difícil deixar de visitar este restaurante presente na
seleção de dez em cada dez guias turísticos.”
Ao enumerar
restaurantes que servem parrilla, o guia turístico “Top 10 Buenos Aires”,
publicado no Brasil pela PubliFolha, faz menção aos dois templos da carne, que
também estão listados entre os 5 estabelecimentos em solo argentino que valem a
experiência, segundo o livro “1001 Restaurants you must experience before you
die”.
Como não sou boba,
fui conhecer as duas casas. Entretanto, como a briga é entre cachorros grandes,
não vou tomar partido de nenhum dos lados, pois achei a qualidade e o preparo
das carnes igualmente fantásticos em ambos. Aqui, conto para vocês como foram as
minhas experiências e, caso queiram, sopesando um detalhezinho aqui e outro
acolá, escolham a sua preferida.
CABAÑA
LAS LILAS
A fama do
Cabaña Las Lilas, inaugurado em 1995, não é à toa, pois a casa surgiu da união
do grupo brasileiro Rubaiyat, reconhecido pelo seu padrão de excelência no
preparado de carnes e atendimento ao público, com a empresa argentina Estancias
e Cabaña Las Lilas S/A, especializada na criação de reprodutores.
Localizado
num armazém reformado na antiga região portuária de Puerto Madeiro, o estabelecimento é
decorado com móveis de madeira escura e muito couro. O salão envidraçado
proporciona ao comensal uma aconchegante vista do porto desativado, mas revitalizado. Quem
preferir, poderá se sentar no amplo terraço ao ar livre.
Nós fomos
almoçar numa quinta-feira e não tínhamos reserva, mas foi tranquilo conseguir
mesa para 6 pessoas.
Aos que
quiserem agendar, é possível fazê-lo através do site do restaurante (www.restaurantlaslilas.com.ar),
que redireciona o cliente ao site do Restorando, do telefone de número 00 54 11
4313-1336 ou do seguinte endereço eletrônico: restaurant@restlaslilas.com.ar.
O Cabaña Las
Lilas tem uma carta de vinhos premiada (Wine Spectator) e sua adega se exibe
para os clientes logo na entrada. Mas... como não sou grande fã da bebida
fermentada do sumo da uva, para beber, pedi uma caipirosca de morango que
estava com o açúcar bem equilibrado e uma quantidade abundante da fruta
vermelha.
De
entradinha, ficamos apenas com o couvert, que rapidamente foi trazido à mesa e
era formado por pães, presunto cru, salada caprese (tomates cerejas e bolinhas
de mozzarella de búfala), berinjela, salmão grelhado ao pesto e um delicioso
patê de gorgonzola (que me lembrou uma manteiga de gorgonzola que o Daniel preparou,
num churrasco, para passarmos na carne saída da churrasqueira e, com o calor,
ela se derreter... hummm... pensando nisso, agora, fiquei chateada de não ter
passado o patê no meu ojo de bife).
Há várias
opções de carnes no cardápio: bife de
chorizo, medallón de lomo, baby
beef, T-bone Steak, tapa de cuadril etc.
Escolhi um ojo de bife e, imaginando algo rosado no
interior e bem selado por fora, pedi que ele viesse na fase entre ao ponto e
bem-passado, puxando mais para bem-passado, pois não gosto de carne com sangue
escorrendo. No final, achei que a parte menos espessa da carne ficou
esturricada (muito seca).
Por isso,
aqui vai uma dica para você acertar no ponto da carne: peça jugoso, se quiser malpassada; al punto, se desejar ao ponto; e cocido, se sua vontade for comer uma
carne entre ao ponto e a bem-passada.
O Daniel (meu
maridinho) pediu uma suculenta e macia costela de cordeiro (Costillitas de Cordero Patagônico). Estava
tão gostosa, que minha vontade era trocar meu prato pelo dele e, ainda, roer todos
os ossinhos até o talo (rsrsrs).
O prato de
parrilla não traz acompanhamento, apenas a carne. É preciso pedir a guarnição à
parte. Uma alternativa interessante é a papa soufflé (chips de batatas fritas
insufladas... não sei como eles fazem isso, mas o chip se enche de ar e fica
bem sequinho e crocante).
Para banhar a
carne, eles oferecem o clássico molho argentino Chimichurri (mistura de azeite
de oliva, vinagre, alho e especiarias), que você não pode deixar de provar, e o
nosso conhecido vinagrete.
Depois de
tamanha comilança, ninguém aguentou saborear uma sobremesa. Então, para
finalizar, pedimos espressos e cappuccinos. Eu até tinha sugerido tomarmos um
cafezinho no Café Tortoni, mas o olho gordo do Daniel (rsrsrs) viu, na mesa ao
lado, os biscoitinhos que acompanhavam o café e quis tomar lá mesmo.
Como mimo da
casa, os garçons levam à mesa duas garrafinhas com Limoncello e Grapa, para que
os comensais bebam à vontade.
A comida como
um todo é muito gostosa e bem executada, mas o atendimento, bem moroso, está
longe de se equiparar aos padrões paulistanos. Por isso, vá sem pressa para não
acabar se estressando com a demora.
LA
CABRERA
O La Cabrera,
que figura na 22ª posição da lista dos 50 melhores restaurantes da América
Latina da revista inglesa Restaurant, conta, hoje, com 4 unidades. Três estão
localizadas na Rua José Antonio Cabrera (La Cabrera Sur, La Cabrera Norte e La
Cabrera Boutique) e são praticamente vizinhas uma da outra (é um verdadeiro case de sucesso).
Através do
site da casa (www.parrillalacabrera.com.ar), que me direcionou para o sítio Restorando,
fiz uma reserva para o almoço do sábado. A minha ideia inicial era não fazer
reservas para o almoço, para que não ficássemos presos ao horário e pudéssemos passear
à vontade. Mas, como eu queria muito conhecer o restaurante e li que o mesmo é muito
concorrido, formando-se grandes filas de espera nas 3 unidades da Rua Cabrera,
acabei cedendo e agendando a visita, pois se tem uma coisa que eu odeio, essa
coisa é esperar.
Quando
efetuei a reserva pelo site Restorando, não optei por nenhuma das unidades, não
havia essa opção. Imagino que o sistema seja “inteligente” e direcione o
cliente para a casa que tenha vaga (sei lá qual é o critério adotado). A
confirmação chegou ao meu e-mail e trazia o endereço para onde eu deveria me
dirigir. Entretanto, quando o taxista foi nos deixar no endereço fornecido pelo
Restarando, percebemos que o mesmo estava com a numeração errada (o certo era
5099 e o site informou 5197). Por sorte, não perdemos a reserva, pois eles
seguram por 15 minutos e nós já estávamos no limite desse tempo.
Eu até
mostrei o e-mail recebido para a hostess,
para que ela pudesse informar ao site de reservas e não confundir outros
clientes, mas não achei que ela deu muita importância para isso... paciência!
O
estabelecimento tem uma decoração bem descolada e colorida, inclusive com mesas
na calçada, ao ar livre.
De entrada,
ficamos com o couvert (composto por pães, patê de foie gras, manteiga e
vinagre) e provamos a provoleta, acompanhada de jamón crudo (presunto cru) e
tomate seco, que se revelou uma boa pedida.
O grelhado
escolhido foi o “Lomo com marinada de verduras”. 600g de um macio e suculento
filé mignon, acompanhado de mini porções de fava, risoto al dente e verduras marinadas.
Para
acompanhar o lomo, pedimos uma porção de batatas fritas roliças com confit de cebola caramelizada, que com
uma pitadinha de sal ficou deliciosa.
Aqui, preciso
ressaltar que nem precisaríamos ter pedido as batatas, pois o diferencial do La
Cabrera é justamente a alucinante quantidade de guarnições que são deixadas na
mesa em pequenas porções.
Foram tantos
bowls trazidos à mesa, que mal consegui tirar fotos para mostrar para vocês.
Dentre as guarnições oferecidas, haviam muitos purês (de maçã, de batata com
gorgonzola, de cenoura e de abacate), berinjela picada, ceboletes agridoce,
mini espigas de milho etc. Todavia, os acompanhamentos servidos se destacam
mais pela variedade oferecida do que propriamente pelo sabor que apresentam,
que é bom, mas nada de excepcional.
Uma coisa negativa
foi o fato de não trazem colheres para que os comensais se sirvam dos
acompanhamentos, fazendo com que cada um enfiasse seu garfo nas cumbucas.
O crème
brûlée de sobremesa decepcionou. O creme estava em temperatura ambiente, o que
é muito bom, pois não gosto quando eles servem gelado. No entanto, não tinha gosto
algum, parecia um creme simplesmente feito com leite, uma gota imperceptível de
essência de baunilha, uma colherzinha de açúcar e maizena. O ponto positivo
ficou com o açúcar maçaricado, crocante e na quantidade certa, cobrindo toda a porção.
Em Buenos
Aires, eles põem um pouco de geleia para finalizar a decoração do crème brûlée.
Falo isso porque comi em dois lugares e, nos dois, a apresentação foi a mesma.
Será que a geleia serve para dar um sabor ao creme sem gosto? Pode ser...
Na hora da
dolorosa, o mimo da casa ficou por conta de uma torre cheia de pirulitos, que foi
deixada na mesa para que nos servimos à vontade.
Achei o
atendimento melhor do que o do Cabaña Las Lilas, mas, ainda assim, não se pode
dizer que seja impecável.
CONCLUSÃO
No quesito
carne, embora o Cabaña Las Lilas tenha uns cortes mais nobres, as duas casas
oferecem uma boa variedade. As carnes, que exalam qualidade, frescor e suculência,
são fielmente executadas conforme o gosto do cliente.
O Cabaña Las
Lilas tem uma decoração e um ar mais sofisticados, o que acarreta,
consequentemente, em preços mais elevados. O La Cabrera tem uma decoração mais
despoja e regionalista.
Apesar de ter
visto mais garçons circulando pelo Cabaña Las Lilas, eu diria que o atendimento
é médio nos dois restaurantes. Que fique claro que minha análise está tomando
por base o nível de serviço oferecido na capital paulista. Eu sou de Maceió e
sei que lá e em outros lugares do Brasil o nível de excelência não é o mesmo. E
isso não significa que seja ruim, mas é que, em São Paulo, a rotatividade nos
restaurantes é tão grande, que gera um atendimento muito rápido e a gente acaba
se acostumando a isso.
Ambas mimam o
cliente. O Cabaña Las Lilas com o Limoncello e a Grapa. O La Cabrera com a
torre de pirulitos. O que confirma minha tese de sofisticação do primeiro e
despojamento do segundo.
O ponto alto
do Cabaña Las Lilas é a localização e do La Cabrera, com certeza, a quantidade
de guarnições.
Enfim... aos
que pretendem conhecer apenas uma das casas, seja por que motivo for (tempo,
grana etc.), espero não tê-los deixados mais embaraçados ainda na escolha do
restaurante.
Na minha
humilde opinião... tá na Argentina? Coma muitaaa parrilla e, se puder, vá aos
dois, que são restaurantes tradicionais, confortáveis, com excelente carta de
vinhos e, principalmente, sem aquele ar de “pega turista”.
Informações:
CABAÑA LAS
LILAS
Endereço:
Alicia Moreau de Justo 516 – Puerto Madero
Fone: 00 54
11 4313-1336
Site: www.restaurantlaslilas.com.ar
LA CABRERA
Endereço:
José Antonio Cabrera 5099 - Palermo
Fone: +54 11
4831-7002
Site:
www.parrillalacabrera.com.ar
Segue a lista com todos os posts sobre Buenos Aires:
Confira, ainda, os posts sobre Córdoba:
Há, também, um post com dicas de viagem e de
restaurantes em El Calafate.