Durante muito tempo, a preocupação das pessoas era
simplesmente saber cozinhar. O grande número de receitas catalogadas era
fielmente reproduzido e, quando muito, os cozinheiros inovavam trocando um ingrediente
por outro ou, então, adicionando um temperinho a mais aqui ou ali. O que
importava era que a comida ficasse conforme esperada.
Quando se ia cozinhar uma massa, não havia interesse
em saber porque deveriam acrescentar o sal apenas quando a água estivesse
fervendo ou porque não deveriam por óleo na mistura. As pessoas faziam assim
porque aprenderam dessa forma e porque o resultado final dava certo.
Até que chegou o dia em que certos indivíduos
começaram a questionar o porquê do ovo, normalmente líquido, passar para o
estado sólido quando cozido em água fervente. Ou como que uma mistura de gema
de ovo, vinagre e óleo, todos líquidos, resultavam num espesso molho como a
maionese.
E foi justamente para responder indagações como essas
que o físico húngaro Nicholas Kurti se uniu ao físico-químico francês Hervé
This e, juntos, desenvolveram uma nova disciplina: a gastronomia molecular. Uma
ciência que estuda os processos físicos e químicos que ocorrem durante o
cozimento dos alimentos ou, como disse o próprio Hervé This, no prefácio da 3ª
edição do livro “Alquimia dos Alimentos”, “trata-se, sobretudo, de pensar a
gastronomia molecular, disciplina científica, sob o olhar exclusivo da pesquisa
dos mecanismos dos fenômenos que emergem no decorrer das transformações
culinárias (e mais)”.
De posse dos conhecimentos obtidos pela gastronomia
molecular, alguns Chefs, a exemplo do espanhol Ferran Adriá, começaram a elaborar
a culinária molecular, surpreendendo os comensais com procedimentos que
modificam as características sensoriais de sabor, aroma, textura e cor das
comidas, que são preparadas com a utilização de métodos e equipamentos científicos.
Um restaurante que serve comida molecular funciona
como um completo laboratório, onde experiências acontecem dentro e fora da
cozinha. Se o Chef, almejando surpreender os “convidados”, utiliza espessantes,
gelificantes, emulsionantes e máquinas de vácuo ou defumação; os comensais, por
sua vez, viajam por um mar de sentimentos: curiosidade, incerteza, decepção e
encantamento.
Quando você chega ao restaurante, tudo o que sabe é
que o Chef preparará um menu degustação formado por um número X de pratos, normalmente,
utilizando produtos frescos da estação. Você não sabe quais serão os
ingredientes utilizados nem quantas porções se apresentarão na forma de
entrada, de prato principal ou de sobremesa. E é daí que surge a curiosidade.
Antes de iniciar o serviço, os garçons perguntam se
alguém tem alguma restrição alimentar. Para mim, restrição seria uma alergia ou
algo do tipo, mas não uma simples repulsa ou desgosto por um alimento. O menu
degustação é a expressão máxima de um Chef e, já que eu não tenho alergia a
nada, quero provar tudo que este profissional tem a oferecer. Até porque a
culinária molecular, cheia de processos físicos e químicos, transforma a
consistência, a cor, o aroma e o sabor dos alimentos. Quem garante que um
produto, que eu não aprecio em seu estado normal, não possa ficar interessante
e saboroso após sofrer uma "mutação"? Aqui, surge a incerteza... será
que vou gostar? Será que vou conseguir comer?
A decepção aparece quando o prato não agrada ao nosso
paladar. E o encantamento quando o oposto acontece. E acredite... Isso acontece
com uma variação incrível, a depender de quantos pratos componham o menu.
O Aramburu, comandado pelo Chef Gonzalo Aramburu e
ocupante da 14ª posição na lista dos 50 melhores restaurantes da América Latina
do periódico Restaurant, é especializado em culinária argentina e molecular.
Para viver a experiência Aramburu é necessário fazer
reserva com antecedência, pois a casa trabalha apenas com o menu degustação em
12 passos, que demora cerca de 3 horas para ser finalizada. Assim, não há
rotatividade e, se você não tiver reserva, não conseguirá uma mesa, ainda que
esteja disposto a esperar.
Eu agendei a minha visita com 2 meses de antecedência,
através do site
do restaurante (www.arambururesto.com.ar/contactos.html). Eles enviaram um e-mail informando que só
trabalhavam com menu degustação em 12 passos, que custaria 550 pesos argentinos
por pessoa, sem bebidas incluídas, perguntando se eu queria, de fato, confirmar
e, em caso positivo, pedindo algumas informações (local de hospedagem, telefone
e restrições alimentares de algum dos comensais). No dia agendado, enviaram um
novo e-mail solicitando nova confirmação da reserva.
A casa está localizada no bairro de San Telmo, numa
rua sem movimento noturno. Como eu já tinha lido a esse respeito, não me
preocupei nem fiquei com receio, pois sabia que encontraria um restaurante com
as portas fechadas e que precisaria tocar a campainha para conseguir entrar.
O salão do Aramburu tem um tamanho de pequeno para
médio e emana um clima bem intimista e elegante. O atendimento é primoroso e os
garçons conhecem bem os pratos servidos, então, não se acanhe de perguntar e
tirar todas as suas dúvidas.
Quando nos sentamos, a sommelier Agustina de Alba nos
serviu o aperitivo da casa, uma mistura de Cynar, Cinzano e Soda (que eu achei
um pouquinho azedo), e a garçonete nos explicou que comeríamos o “Menu
Primavera”, composto por vegetais, frutos do mar e carnes da estação.
Aqui, eu preciso fazer uma observação. Embora eu seja
leiga em assuntos gastronômicos (espero ansiosa pelo dia em que já terei lido
tanto sobre a matéria que alterarei esse status),
sempre procuro me informar para poder passar informações corretas e precisas para
vocês. Por isso, fui estudar um pouco sobre a gastronomia molecular, com a
intenção de descrever os métodos utilizados na preparação dos pratos que
provei. Entretanto, caí na real e percebi que esta empreitada seria muito
arriscada. Os garçons, quando levavam os experimentos, informavam apenas os
seus componentes. Assim, por mais eficiente que fosse o meu estudo, eu nunca
saberia ao certo se estaria descrevendo de maneira fiel os procedimentos e
instrumentos utilizados. Deste modo, vou seguir apenas comentando o que comi e dizendo
o que achei. Afinal, esse sempre foi o objetivo desse blog, já que eu não sei
cozinhar direito, mas adoro comer bem.
Os primeiros quitutes que provamos foram os da foto abaixo,
que, embora fossem 4 entradinhas, compunham o 1º passo da degustação.
Começamos bem! A trufa de champignon, que parecia uma
trufa de chocolate belga, estava crocante e sequinha por fora e cremosinha por
dentro, com a claridade do recheio contrastando com a escuridão da crosta.
A trufa de foie gras banhada em calda de laranja
esbanjava viscosidade, mas, apesar de linda, não me agradou, já que não sou fã
de foie gras e achei o sabor bem forte.
Em
terceiro lugar, pus na boca um pãozinho brioche recheado, cuja massa era macia
e lembrava um sonho. Porém, na minha opinião, o briochinho poderia ser menor
para ficar com um sabor mais delicado, pois, embora não o fosse, acabava dando
a impressão de ser massudo.
A última iguaria do 1º passo era um sweetbread com uma
espécie de mandiopã por cima. Sweetbread ou molleja é uma glândula carnosa do
timo dos ruminantes. A descrição soa meio “desgusting”, mas era um croquete bem
gostoso. Sem dúvidas, eu repetiria.
Pessoal, eu não alertei antes, mas vou fazê-lo agora.
Prestem bem atenção nas fotos, pois a criatividade não se revela apenas nas combinações
de ingredientes, mas nas formas de apresentação, com vários utensílios exóticos
e belos, sem contar os talheres diferentes que acompanhavam cada prato.
A ostra com granito de pepino (obtido através do uso
de nitrogênio líquido), finalizada com um creme branco, foi exibida de maneira deslumbrante,
dentro de uma grande concha.
O terceiro prato era bem louco!!! Uma salada da
estação, com maçã, aspargos, ervilhas, flores e uma burrata cremosa, que foi servida
dentro de uma esfera. A gente tocava o garfo na esfera e ela se contorcia como
uma bolha até murchar. Um efeito muito legal e instigante. Sem contar que as
cores da salada eram vivas e lindas. Eu AMEI!!!
No 4º passo, comemos um delicioso camarão com crocante
de massa filo, que parecia um emaranhado de cabelinho de anjo frito, com um
molhinho bem saboroso, mas que não sei dizer de que era.
Depois do camarão, foi servido um salmão branco com
purê de couve flor, crocante de lula (pururuca tingida com tinta de lula) e
espuma de limão. Esse é o tipo de prato em que os elementos se complementam, ou
seja, para atingir o máximo de sabor, você precisa comer tudo junto.
Em seguida, passamos para as carnes. Como 6º passo,
degustamos um cordeiro cozido a vácuo por 12 horas, com purê de berinjela e
cenoura. A textura do cordeiro estava extremamente macia e se desmanchando (nem
precisava de faca para partir), o Daniel adorou e eu, que comecei a comer
cordeiro e estou adorando, achei a consistência estranha.
Num bowl de madeira, foi servida codorna com ovinho da
mesma ave e creme de milho.
Detalhe: a codorna foi servida com a patinha
levantada. Eu nem tinha percebido, só vi depois no Facebook, pois o Daniel, com
seu humor negro, postou uma foto enfatizando o fato.
Mas não foi por causa da pata que eu não comi a
codorna, foi porque, apesar de bem selada por fora, a carne estava totalmente crua
por dentro.
Para finalizar os pratos salgados, comemos um filé
mignon ao ponto (o garçom falou que é o ponto de cozimento que o Chef considera
o mais correto) com batata e purê de funghi. Apesar de parecer meio crua no
centro, a carne estava fácil de cortar e magnífica de saborear.
Para limpar o paladar, como 9º passo, foi servida uma tigelinha(inha)
de suco de maçã com gengibre, pedacinhos de maçã e granito de limão com vinho
branco. Cítrica e altamente refrescante. Deixou gostinho de quero mais.
A primeira sobremesa era uma releitura da salada de
frutas, composta por sorbets de morango e de melão, com purê de damasco e flan
de pêssego. O sorbet de morango era azedinho e o de melão bem docinho. O flan
tinha uma consistência pegajosa, mas um sabor leve. No geral, era uma sobremesa
colorida e alegre, forçando a nossa visão e agraciando, ao máximo, o nosso
paladar com gostos e texturas distintos.
O 11º passo foi o
“hors concours” da noite. Uma sobremesa autoral e autografada: sorvete
de canela, banana, chocolate branco e granulado de cacau. O sorbet era bem
cremoso, o granulado de cacau tinha uma crocância que lembrava ovomaltine e o
chocolate usado na assinatura, que eu não tive dó de devorar, era cremoso e
extremamente gostoso, formando uma composição perfeita com o resto dos
elementos.
O 12º e último passo era um pratinho de petit fours com gelatina de café (achei
sem sabor e não gostei, pois é estranho comer café), torta de cenoura (bolinho
com chocolate branco) e uma trufa condimentada de chocolate (que meus
companheiros acharam apimentada e de sabor forte).
Cabe frisar, que, de bebida, o Aramburu trabalha
apenas com vinhos, espumantes e água. Nada de refrigerantes e sucos.
Na hora de pagar, sei que aceitam pesos argentinos,
dólares e reais, porque eram as moedas que nós tínhamos e fizemos a cotação.
Nosso jantar foi no dia 21 de novembro de 2014 e a cotação era a seguinte: um dólar
– 12 pesos argentinos; 1 real – 5 pesos argentinos.
Com vinho, espumante e vinho de sobremesa, o jantar
acabou saindo $ 66,00 (sessenta e seis dólares) por pessoa, o que eu achei um
preço razoável para um restaurante elegante e de alta gastronomia.
A experiência foi muitooo interessante e intensa. Se
tiver oportunidade, quero repetir!!!
INFORMAÇÕES:
Aramburu Restaurante
E-mail para reservas: reserva@arambururesto.com.ar
Endereço: Salta 1050 – Buenos Aires
Telefone: +54 11 4305-0439
Segue a
lista com todos os posts sobre Buenos Aires:
Confira, ainda, os posts sobre Córdoba:
3 - COMENDO EM CÓRDOBA (ARGENTINA) – PARTE 2/2.
Há, também, um post com dicas de viagem e restaurantes em El Calafate.
Há, também, um post com dicas de viagem e restaurantes em El Calafate.
Ok,
ResponderExcluirGostei muito dos seus comentarios
Sergio