terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Comendo no restaurante número 1 da Argentina: TEGUI

2014 chegou ao fim, mas ainda dá tempo de narrar uma última experiência gastronômica que vivi no restaurante número 1 de Buenos Aires, o Tegui, onde o Chef Germán Martitegui oferece ao comensal uma cozinha autoral, seguindo os ensinamentos da gastronomia molecular.
 No Tegui, achei que alguns preceitos da culinária molecular se mostraram ainda mais evidentes do que no Aramburu, pois, em quase todos os pratos que serve, o Chef procura explorar as diversas texturas e pontos de cozimento dos ingredientes.
Ademais, como um alquimista que conhece muito bem cada elemento que utiliza, Germán Martitegui ousa em demasia, criando pratos que precisam ser devorados em sua completude para que exprimam o máximo de sabor. 
A apresentação dos pratos é fantástica e a execução é inteligente. Entretanto, alguns pratos são bons, outros são ruins e nenhum deles é terminantemente excepcional em termos de sabor.
Isso me lembra uma das críticas que os especialistas gastronômicos, contrários à culinária desconstrutivista de Ferran Adriá, costumavam proferir, acusando o Chef catalão de se preocupar mais com o aspecto visual do que propriamente com o sabor do que servia.
Na experiência Tegui, outra coisa que me chamou a atenção foi que, pela primeira vez, muito do que li a respeito do restaurante, para a minha sorte, não se confirmou. Primeiro, vi alguns blogueiros reclamando que foram proibidos de tirar fotos, o que não aconteceu comigo. Consegui tirar fotos de tudo o que tive vontade e um dos garçons, inclusive, perguntou se eu queria que ele tirasse uma foto minha em frente à cozinha.
Outros reclamavam que os garçons eram grosseiros, entretanto, todos os que serviram a nossa mesa foram extremamente simpáticos e solícitos. No mais, eram esbeltos e de porte sofisticado, parecendo aspirantes a modelo.
Fiz a reserva para 6 pessoas com 2 meses de antecedência, através do endereço eletrônico: info@tegui.com.ar.
Importante salientar que o agendamento é imprescindível!!! Pois a experiência dura cerca de 4 horas, impossibilitando que haja rotatividade.
O restaurante tem um ambiente clean e refinado, com uma linda e moderna adega na entrada, uma área ao ar livre e a cozinha aberta no fundo do salão.
Quando nos sentamos, encontramos em frente a cada comensal um menu, parecido com os que colocam nas mesas de festas de casamento, que anunciava as opções da noite: “Menu Degustação de 5 passos” ou “Menu Degustação de 10 passos”, que podiam ser harmonizados com vinho. Como achamos que a diferença de preço era pequena, optamos pelo menu de 10 pratos, mas sem vinho, que foi pedido à parte.


Para começar a comilança, ofereceram um sour cream de tomilho com crocantes de alcachofra. O sour cream tinha uma consistência de purê e os chips de alcachofra estavam bem sequinhos.
Fazendo uma remissão direta à cozinha molecular, que é considerada um verdadeiro laboratório, várias comidas foram apresentadas em pratos que lembravam uma placa de Petri.


Em seguida, foi servido um pão de mate com manteiga caseira do campo. O pão, que tinha um formato de mini panetone, era esponjoso, oleoso e tinha um sabor estranho. A manteiga não parecia ter nada de especial.
Comecei a pensar: “Xiii... Será que esse jantar será uma decepção?!?!”.


Dando continuidade, tomamos uma sopa gelada de ervilha, manjericão e menta, que foi servida com aspargos e favas cozidos com perfeição, apresentando uma consistência firme. Achei a combinação leve e apropriada para aquele dia de calor.
Exclamação do Daniel: “Coisas da Dri: fazer a gente tomar sopa em placa de Petri, com colher de café!!!”.
Definitivamente, o melhor do jantar foram os comentários (rsrsrs).


Pasmem, até este momento tínhamos comido 3 pratos e nenhum deles fazia parte do menu de 10 passos, pois, quando o garçom trouxe a comida seguinte, anunciou que ela era a primeira da degustação.
O passo inicial, que consistia numa salada de tomates com queijo de cabra ralado, proporcionava ao comensal uma verdadeira viagem pelas texturas do tomate. Havia tomates verde e vermelho; seco, desidratado e fresco; polpa doce e consistente e um refrescante sorvete. Embora algumas pessoas que estavam comigo tenham achado sem graça, eu achei de uma criatividade sem igual, pois não é qualquer um que consegue montar uma bela e saborosa salada com apenas um tipo de fruta.   


O prato seguinte foi uma verdadeira surpresa! Ostra fresca com suco de maçã, maçã ralada de maneira grosseira e espuma de água do mar.
Eu não gosto de ostra e achei a água do mar nitrogenada com um gosto muito forte. Já tinha até desistido de comer, quando o meu marido me aconselhou a misturar tudo e seguir em frente. Gente, eu não sei que processo químico e/ou físico aconteceu! Tudo que eu sei é que ficou diferente, harmônico e com um gostinho cítrico M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-O!!!
Começaram a surgir indícios de que seria uma grande noite... Como falei no post anterior, um restaurante que serve culinária molecular provoca um misto de sensações no comensal. Inicialmente, achei que o jantar seria um completo desastre. Neste momento, já estava achando que poderia ser sensacional.


A minha sogra não come nada que esteja cru, então, prepararam para ela uma salada de frutas vermelhas com queijo burrata e redução de vinagre balsâmico, que estava de comer com os olhos.


No terceiro passo, uma miscelânea de sabores e texturas, que de forma balanceada se complementavam. Jamon crudo crocante (salgado), polvo confitado no azeite de oliva, alcaparras fritas, melão cozido no vácuo e creme de abacate (insosso).


Reparem na viscosidade do melão:


Como gosto que as minhas narrativas venham sempre acompanhadas de fotos, sou sempre a última a começar a comer, pois preciso registrar tudo e, de preferência, do jeito que a comida chega à mesa (rsrsrs). Dessa forma, em alguns momentos como esse, acabo sendo influenciada por opiniões alheias de quem prova seus pratos antes de mim.
O quinto passo configurava-se numa morcela (linguiça de sangue) caseira, acompanhada de sorvete de pera e creme de amêndoas.
Depois que meus companheiros de aventura já haviam expressado toda a sua repulsa, fiquei com receio de comer, mas reuni todas as minhas forças e tentei. Tanto a consistência quanto o sabor da linguiça eram estranhos. Já o sorvete e o creme, que seriam ótimas sobremesas, estavam docinhos, refrescantes e muito saborosos. Confesso que não tive coragem de misturar tudo e comer. Ingeri a morcela isoladamente e já foi o suficiente.


O oitavo prato servido, que ainda era o 5º passo da degustação, era composto por mollejas de cordeiro, framboesas, fungos frescos, com duas texturas diferentes, e um molho de azeite de pinho. Enquanto comíamos, começamos a fazer conjecturas sobre o que seria a molleja ou sweetbread, que é uma glândula, e eu acabei perdendo o apetite. Em todo caso, como também não sou fã de funghi, esse prato já estava, desde o começo, fadado ao insucesso.


Peço desculpas, mas só lembrei de tirar a foto do Cremona,  pão típico argentino que acompanhava as mollejas, depois que já havia começado a comer.


O prato seguinte foi uma mistura bem interessante: pargo cozido em baixa temperatura e, após, frito; noodles de calamares (calamares em formato de noodles e não massa com sabor de calamares); castanha do Pará; uma releitura do molho "leite de tigre", comumente utilizado na culinária latino-americana e feito à base de suco de limão, caldo de peixe e especiarias; e pêssego.


O sétimo passo foi tão complexo e cheio de técnica, que fica até difícil de explicar. Comemos um perdiz, cujos pedaços foram apresentados com duas cocções distintas. A pata teve um dos lados fritos e depois foi confitada e cozida à vácuo. Acompanhando o perdiz, havia Humita (comida típica da Argentina, Chile e Peru, que lembra um creme de milho cheio de temperos), crocante de milho, molho de ají e sorbet de damasco.


Nosso último prato salgado foi uma língua de cordeiro com purê de batata, chips de inhame (crocante, mas sem sabor) e molho preparado com a redução do cozimento.
Quando o garçom falou que era língua de cordeiro, involuntariamente fiz uma cara de nojo, mas ele me encorajou a provar e, para minha surpresa, não achei repugnante. Não vou dizer que é a coisa mais gostosa do mundo ou que eu repetiria, mas nunca imaginei que comeria língua e, muito menos, que gostaria. Foi surpreendente! Por isso, eu digo: não tenha medo do novo ou do desconhecido, pois, às vezes, eles podem se transformar em agradáveis surpresas.
Aqui, não posso deixar passar um engraçado comentário da Petonia: “Não consigo comer língua! Só de pensar no cordeiro fazendo méééé!”... kkkkkkk.


Uma coisa engraçada, para não dizer monótona, da culinária molecular é que sempre servem, de sobremesa, frutas e sorbets.
Nossa primeira dessert foi uma salada de frutas vermelhas (morango, amora, mirtilo, framboesa e cereja) com sorvete de morango e cidreira e marshmallow de eucalipto. As frutas vermelhas estavam em suas consistências naturais. O sorvete ficou ainda mais refrescante com o toque da cidreira. Já o marshmallow, com gosto de “sauna”, não me agradou.



Para finalizar nossa degustação, damascos assados no forno de barro, servidos com sorvete de chocolate branco com vinho, cristais de chocolate branco e creme de chocolate ao leite.


Vocês bem sabem que sou comprometida com a verdade. Por isso, não vou mentir!!! Nós éramos um grupo de seis pessoas e apenas eu fiquei encantada com a experiência, os outros acharam que pagaram muito por uma refeição ruim.
No final, o Daniel até brincou, indagando: "Vamos passar no McDonalds?". Eu retruquei: “Você ainda está com fome?”. E ele respondeu: “Estou com fome de comida gostosa!”.
Talvez eu seja um ponto fora da curva, mas a verdade é que, na minha opinião, aqueles que gostam de exagerados pratos feitos podem achar pouca a quantidade de comida servida. Os mais tradicionais podem estranhar os sabores e as texturas. Porém, aqueles que estiverem abertos para o novo, sem dúvida alguma, experimentarão uma das refeições mais surpreendentes de suas vidas... ainda que seja no sentido negativo.
Visitamos a casa no fim de novembro de 2014, quando a cotação do dólar era “1 dólar = 8.5 pesos argentinos”. Para nós, fazendo as contas em real, saia a mesma coisa pagar em dólar ou pesos. A refeição, com vinho e espumante, ficou $ 164 (cento e sessenta e quatro dólares) por pessoa.

Informações:
T E G U I
Costa Rica 5852


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