sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Comendo em Buenos Aires: ARAMBURU RESTAURANTE

Durante muito tempo, a preocupação das pessoas era simplesmente saber cozinhar. O grande número de receitas catalogadas era fielmente reproduzido e, quando muito, os cozinheiros inovavam trocando um ingrediente por outro ou, então, adicionando um temperinho a mais aqui ou ali. O que importava era que a comida ficasse conforme esperada.
Quando se ia cozinhar uma massa, não havia interesse em saber porque deveriam acrescentar o sal apenas quando a água estivesse fervendo ou porque não deveriam por óleo na mistura. As pessoas faziam assim porque aprenderam dessa forma e porque o resultado final dava certo.
Até que chegou o dia em que certos indivíduos começaram a questionar o porquê do ovo, normalmente líquido, passar para o estado sólido quando cozido em água fervente. Ou como que uma mistura de gema de ovo, vinagre e óleo, todos líquidos, resultavam num espesso molho como a maionese. 
E foi justamente para responder indagações como essas que o físico húngaro Nicholas Kurti se uniu ao físico-químico francês Hervé This e, juntos, desenvolveram uma nova disciplina: a gastronomia molecular. Uma ciência que estuda os processos físicos e químicos que ocorrem durante o cozimento dos alimentos ou, como disse o próprio Hervé This, no prefácio da 3ª edição do livro “Alquimia dos Alimentos”, “trata-se, sobretudo, de pensar a gastronomia molecular, disciplina científica, sob o olhar exclusivo da pesquisa dos mecanismos dos fenômenos que emergem no decorrer das transformações culinárias (e mais)”.
De posse dos conhecimentos obtidos pela gastronomia molecular, alguns Chefs, a exemplo do espanhol Ferran Adriá, começaram a elaborar a culinária molecular, surpreendendo os comensais com procedimentos que modificam as características sensoriais de sabor, aroma, textura e cor das comidas, que são preparadas com a utilização de métodos e equipamentos científicos.
Um restaurante que serve comida molecular funciona como um completo laboratório, onde experiências acontecem dentro e fora da cozinha. Se o Chef, almejando surpreender os “convidados”, utiliza espessantes, gelificantes, emulsionantes e máquinas de vácuo ou defumação; os comensais, por sua vez, viajam por um mar de sentimentos: curiosidade, incerteza, decepção e encantamento.
Quando você chega ao restaurante, tudo o que sabe é que o Chef preparará um menu degustação formado por um número X de pratos, normalmente, utilizando produtos frescos da estação. Você não sabe quais serão os ingredientes utilizados nem quantas porções se apresentarão na forma de entrada, de prato principal ou de sobremesa. E é daí que surge a curiosidade.
Antes de iniciar o serviço, os garçons perguntam se alguém tem alguma restrição alimentar. Para mim, restrição seria uma alergia ou algo do tipo, mas não uma simples repulsa ou desgosto por um alimento. O menu degustação é a expressão máxima de um Chef e, já que eu não tenho alergia a nada, quero provar tudo que este profissional tem a oferecer. Até porque a culinária molecular, cheia de processos físicos e químicos, transforma a consistência, a cor, o aroma e o sabor dos alimentos. Quem garante que um produto, que eu não aprecio em seu estado normal, não possa ficar interessante e saboroso após sofrer uma "mutação"? Aqui, surge a incerteza... será que vou gostar? Será que vou conseguir comer?
A decepção aparece quando o prato não agrada ao nosso paladar. E o encantamento quando o oposto acontece. E acredite... Isso acontece com uma variação incrível, a depender de quantos pratos componham o menu.
O Aramburu, comandado pelo Chef Gonzalo Aramburu e ocupante da 14ª posição na lista dos 50 melhores restaurantes da América Latina do periódico Restaurant, é especializado em culinária argentina e molecular.
Para viver a experiência Aramburu é necessário fazer reserva com antecedência, pois a casa trabalha apenas com o menu degustação em 12 passos, que demora cerca de 3 horas para ser finalizada. Assim, não há rotatividade e, se você não tiver reserva, não conseguirá uma mesa, ainda que esteja disposto a esperar.
Eu agendei a minha visita com 2 meses de antecedência, através do site do restaurante (www.arambururesto.com.ar/contactos.html). Eles enviaram um e-mail informando que só trabalhavam com menu degustação em 12 passos, que custaria 550 pesos argentinos por pessoa, sem bebidas incluídas, perguntando se eu queria, de fato, confirmar e, em caso positivo, pedindo algumas informações (local de hospedagem, telefone e restrições alimentares de algum dos comensais). No dia agendado, enviaram um novo e-mail solicitando nova confirmação da reserva.
A casa está localizada no bairro de San Telmo, numa rua sem movimento noturno. Como eu já tinha lido a esse respeito, não me preocupei nem fiquei com receio, pois sabia que encontraria um restaurante com as portas fechadas e que precisaria tocar a campainha para conseguir entrar.
O salão do Aramburu tem um tamanho de pequeno para médio e emana um clima bem intimista e elegante. O atendimento é primoroso e os garçons conhecem bem os pratos servidos, então, não se acanhe de perguntar e tirar todas as suas dúvidas.
Quando nos sentamos, a sommelier Agustina de Alba nos serviu o aperitivo da casa, uma mistura de Cynar, Cinzano e Soda (que eu achei um pouquinho azedo), e a garçonete nos explicou que comeríamos o “Menu Primavera”, composto por vegetais, frutos do mar e carnes da estação.
Aqui, eu preciso fazer uma observação. Embora eu seja leiga em assuntos gastronômicos (espero ansiosa pelo dia em que já terei lido tanto sobre a matéria que alterarei esse status), sempre procuro me informar para poder passar informações corretas e precisas para vocês. Por isso, fui estudar um pouco sobre a gastronomia molecular, com a intenção de descrever os métodos utilizados na preparação dos pratos que provei. Entretanto, caí na real e percebi que esta empreitada seria muito arriscada. Os garçons, quando levavam os experimentos, informavam apenas os seus componentes. Assim, por mais eficiente que fosse o meu estudo, eu nunca saberia ao certo se estaria descrevendo de maneira fiel os procedimentos e instrumentos utilizados. Deste modo, vou seguir apenas comentando o que comi e dizendo o que achei. Afinal, esse sempre foi o objetivo desse blog, já que eu não sei cozinhar direito, mas adoro comer bem.  
Os primeiros quitutes que provamos foram os da foto abaixo, que, embora fossem 4 entradinhas, compunham o 1º passo da degustação.


Começamos bem! A trufa de champignon, que parecia uma trufa de chocolate belga, estava crocante e sequinha por fora e cremosinha por dentro, com a claridade do recheio contrastando com a escuridão da crosta.


A trufa de foie gras banhada em calda de laranja esbanjava viscosidade, mas, apesar de linda, não me agradou, já que não sou fã de foie gras e achei o sabor bem forte.


Em terceiro lugar, pus na boca um pãozinho brioche recheado, cuja massa era macia e lembrava um sonho. Porém, na minha opinião, o briochinho poderia ser menor para ficar com um sabor mais delicado, pois, embora não o fosse, acabava dando a impressão de ser massudo.


A última iguaria do 1º passo era um sweetbread com uma espécie de mandiopã por cima. Sweetbread ou molleja é uma glândula carnosa do timo dos ruminantes. A descrição soa meio “desgusting”, mas era um croquete bem gostoso. Sem dúvidas, eu repetiria.


Pessoal, eu não alertei antes, mas vou fazê-lo agora. Prestem bem atenção nas fotos, pois a criatividade não se revela apenas nas combinações de ingredientes, mas nas formas de apresentação, com vários utensílios exóticos e belos, sem contar os talheres diferentes que acompanhavam cada prato.
A ostra com granito de pepino (obtido através do uso de nitrogênio líquido), finalizada com um creme branco, foi exibida de maneira deslumbrante, dentro de uma grande concha.  


O terceiro prato era bem louco!!! Uma salada da estação, com maçã, aspargos, ervilhas, flores e uma burrata cremosa, que foi servida dentro de uma esfera. A gente tocava o garfo na esfera e ela se contorcia como uma bolha até murchar. Um efeito muito legal e instigante. Sem contar que as cores da salada eram vivas e lindas. Eu AMEI!!!



No 4º passo, comemos um delicioso camarão com crocante de massa filo, que parecia um emaranhado de cabelinho de anjo frito, com um molhinho bem saboroso, mas que não sei dizer de que era.


Depois do camarão, foi servido um salmão branco com purê de couve flor, crocante de lula (pururuca tingida com tinta de lula) e espuma de limão. Esse é o tipo de prato em que os elementos se complementam, ou seja, para atingir o máximo de sabor, você precisa comer tudo junto.



Em seguida, passamos para as carnes. Como 6º passo, degustamos um cordeiro cozido a vácuo por 12 horas, com purê de berinjela e cenoura. A textura do cordeiro estava extremamente macia e se desmanchando (nem precisava de faca para partir), o Daniel adorou e eu, que comecei a comer cordeiro e estou adorando, achei a consistência estranha.


Num bowl de madeira, foi servida codorna com ovinho da mesma ave e creme de milho.
Detalhe: a codorna foi servida com a patinha levantada. Eu nem tinha percebido, só vi depois no Facebook, pois o Daniel, com seu humor negro, postou uma foto enfatizando o fato.
Mas não foi por causa da pata que eu não comi a codorna, foi porque, apesar de bem selada por fora, a carne estava totalmente crua por dentro.


Para finalizar os pratos salgados, comemos um filé mignon ao ponto (o garçom falou que é o ponto de cozimento que o Chef considera o mais correto) com batata e purê de funghi. Apesar de parecer meio crua no centro, a carne estava fácil de cortar e magnífica de saborear.


Para limpar o paladar, como 9º passo, foi servida uma tigelinha(inha) de suco de maçã com gengibre, pedacinhos de maçã e granito de limão com vinho branco. Cítrica e altamente refrescante. Deixou gostinho de quero mais.


A primeira sobremesa era uma releitura da salada de frutas, composta por sorbets de morango e de melão, com purê de damasco e flan de pêssego. O sorbet de morango era azedinho e o de melão bem docinho. O flan tinha uma consistência pegajosa, mas um sabor leve. No geral, era uma sobremesa colorida e alegre, forçando a nossa visão e agraciando, ao máximo, o nosso paladar com gostos e texturas distintos.


O 11º passo foi o  “hors concours” da noite. Uma sobremesa autoral e autografada: sorvete de canela, banana, chocolate branco e granulado de cacau. O sorbet era bem cremoso, o granulado de cacau tinha uma crocância que lembrava ovomaltine e o chocolate usado na assinatura, que eu não tive dó de devorar, era cremoso e extremamente gostoso, formando uma composição perfeita com o resto dos elementos.


O 12º e último passo era um pratinho de petit fours com gelatina de café (achei sem sabor e não gostei, pois é estranho comer café), torta de cenoura (bolinho com chocolate branco) e uma trufa condimentada de chocolate (que meus companheiros acharam apimentada e de sabor forte).


Cabe frisar, que, de bebida, o Aramburu trabalha apenas com vinhos, espumantes e água. Nada de refrigerantes e sucos.
Na hora de pagar, sei que aceitam pesos argentinos, dólares e reais, porque eram as moedas que nós tínhamos e fizemos a cotação. Nosso jantar foi no dia 21 de novembro de 2014 e a cotação era a seguinte: um dólar – 12 pesos argentinos; 1 real – 5 pesos argentinos.
Com vinho, espumante e vinho de sobremesa, o jantar acabou saindo $ 66,00 (sessenta e seis dólares) por pessoa, o que eu achei um preço razoável para um restaurante elegante e de alta gastronomia.
A experiência foi muitooo interessante e intensa. Se tiver oportunidade, quero repetir!!!

INFORMAÇÕES:
Aramburu Restaurante
E-mail para reservas: reserva@arambururesto.com.ar
Endereço: Salta 1050 – Buenos Aires
Telefone: +54 11 4305-0439


Segue a lista com todos os posts sobre Buenos Aires:

Confira, ainda, os posts sobre Córdoba:
3 - COMENDO EM CÓRDOBA (ARGENTINA) – PARTE 2/2.

        Há, também, um post com dicas de viagem e restaurantes em El Calafate.

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